DELEUZE, Gilles. L’image-mouvement: Cinéma 1. Paris: Minuit, 1983.
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Dois extratos de Bergson:
É justamente a duração “que nossa representação habitual do movimento e da mudança nos impede de ver. Se o movimento é uma série de posições e a mudança uma série de estados, o tempo é feito de partes distintas e justapostas. Sem dúvida, nós dizemos que elas se sucedem, mas esta sucessão é, então, semelhante àquela das imagens de um filme cinematográfico: o filme poderia passar dez vezes, cem vezes, mil vezes mais rápido, sem que nada fosse modificado no que se desenrola nele; se ele passasse infinitamente rápido, se o desenrolar (desta vez fora do aparelho) fosse instantâneo, seriam ainda as mesmas imagens. A sucessão assim compreendida não acrescenta nada; antes, ela retira alguma coisa; ela marca um déficit; ela traduz uma enfermidade de nossa percepção, condenada a detalhar o filme imagem por imagem ao invés de apreendê-lo globalmente. Enfim, o tempo assim abordado é somente um espaço ideal em que supomos alinhados todos os acontecimentos passados, presentes e futuros, com, ainda por cima, um impedimento seu de nos aparecer em bloco [...]”.
Henri Bergson, La pensée et le mouvant, Introduction, Ière partie. Paris, P.U.F. Quadrige, 1990, p. 9-10.
[...] é verdade que, se nós lidássemos com fotografias isoladas, não bastaria nós olharmos para elas sem cessar, nós nunca as veríamos se animar: com a imobilidade, mesmo indefinidamente justaposta a si mesma, nós jamais faremos movimento. Para que as imagens se animem, é preciso que haja movimento em algum lugar. O movimento aqui existe; com efeito, ele está no aparelho. E porque a película cinematográfica se desenrola, fazendo com que, uma depois da outra, as diversas fotografias da cena se continuem umas às outras,que cada ator dessa cena reconquista sua mobilidade: ele alinha todas as suas atitudes sucessivas sobre o invisível movimento da película cinematográfica. O procedimento então consistiu, em suma, a extrair de todos os movimentos próprios a todas as figuras um movimento impessoal, abstrato e simples, o movimento em geral, por assim dizer, a colocá-lo no aparelho, e a reconstituir a individualidade de cada movimento particular pela composição desse movimento anônimo com as atitudes pessoais. Tal é o artifício do cinematógrafo. Tal é também aquele de nosso conhecimento. Ao invés de nos ater ao devir interior das coisas, nós nos colocamos fora delas para recompor seu devir artificialmente. Nós fazemos tomadas quase instantâneas da realidade que passa, e, como elas são características dessa realidade, nos basta alinhá-las ao longo de um devir abstrato, uniforme, invisível, situado no fundo do aparelho do conhecer, para imitar o que há de característico nesse devir mesmo. Percepção, intelecção, linguagem procedem, em geral, assim. Que se trate de pensar o devir, ou de exprimi-lo, ou mesmo de percebê-lo, nós não fazemos mais do que acionar uma espécie de cinematógrafo interior. É possível resumir tudo o que precede dizendo que o mecanismo de nosso conhecimento usual é de natureza cinematográfica.
Henri Bergson, L’évolution créatrice, chap. IV. Paris, P.U.F. Quadrige, 2001, p. 305.
[...] é verdade que, se nós lidássemos com fotografias isoladas, não bastaria nós olharmos para elas sem cessar, nós nunca as veríamos se animar: com a imobilidade, mesmo indefinidamente justaposta a si mesma, nós jamais faremos movimento. Para que as imagens se animem, é preciso que haja movimento em algum lugar. O movimento aqui existe; com efeito, ele está no aparelho. E porque a película cinematográfica se desenrola, fazendo com que, uma depois da outra, as diversas fotografias da cena se continuem umas às outras,que cada ator dessa cena reconquista sua mobilidade: ele alinha todas as suas atitudes sucessivas sobre o invisível movimento da película cinematográfica. O procedimento então consistiu, em suma, a extrair de todos os movimentos próprios a todas as figuras um movimento impessoal, abstrato e simples, o movimento em geral, por assim dizer, a colocá-lo no aparelho, e a reconstituir a individualidade de cada movimento particular pela composição desse movimento anônimo com as atitudes pessoais. Tal é o artifício do cinematógrafo. Tal é também aquele de nosso conhecimento. Ao invés de nos ater ao devir interior das coisas, nós nos colocamos fora delas para recompor seu devir artificialmente. Nós fazemos tomadas quase instantâneas da realidade que passa, e, como elas são características dessa realidade, nos basta alinhá-las ao longo de um devir abstrato, uniforme, invisível, situado no fundo do aparelho do conhecer, para imitar o que há de característico nesse devir mesmo. Percepção, intelecção, linguagem procedem, em geral, assim. Que se trate de pensar o devir, ou de exprimi-lo, ou mesmo de percebê-lo, nós não fazemos mais do que acionar uma espécie de cinematógrafo interior. É possível resumir tudo o que precede dizendo que o mecanismo de nosso conhecimento usual é de natureza cinematográfica.
Henri Bergson, L’évolution créatrice, chap. IV. Paris, P.U.F. Quadrige, 2001, p. 305.